Porto Velho, RO - A volta de uma política de crédito subsidiado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos grandes temores de economistas, investidores e analistas do mercado financeiro com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República.
A confirmação de seu correligionário e ex-ministro Aloizio Mercadante para a presidência do banco público de fomento, ainda no ano passado, não foi bem recebida e não ajudou na melhora dos humores.
Por trás do receio, está a disparada da dívida pública no início da década de 2010 que os bilionários empréstimos deficitários do BNDES ajudaram a fomentar, ao lado dos baixos retornos efetivos que esses créditos geraram para a economia, conforme diversos estudos que vieram depois tentaram mensurar.
Em entrevistas recentes, Mercadante e seus futuros diretores afirmaram mais de uma vez que não têm a intenção de voltar a subsidiar os juros do banco ou a usar dinheiro do Tesouro Nacional – e do contribuinte, portanto – para isso. Procurado, o BNDES reafirmou a informação à CNN.
Ainda assim, o mercado não estará totalmente convencido até que as ações concretas comecem a aparecer.
“Não adianta chegar e dizer que não vai ter subsídio, mas que quer juros mais baixos”, diz a economista Elena Landau, que foi diretora de privatizações do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002).
“Mais baixos como? Como vai fazer? Quem vai financiar, de onde vai sair esse subsídio, vai ter retorno social de fato? Para fazer política pública de verdade tem que ter transparência. Então, enquanto os presidentes – o da República e o do BNDES – não explicitarem como isso vai ser feito, não temos como avaliar.”
Em nota, o BNDES disse à CNN que “não há espaço fiscal e não está na pauta da nova diretoria do Banco o uso de recursos do Tesouro Nacional para financiamentos do BNDES”. O comunicado também afirmou que “o retorno da TJLP está descartado pela nova diretoria”.
Promessa de crédito mais barato
Na terça-feira (31), durante visita à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Mercadante assegurou que “o BNDES não precisa e não tem condições de receber subsídios do Tesouro”, mas que é necessário pensar em uma TLP, a taxa de juros oficial do banco, mais baixa, em especial para as micro e pequenas empresas.
“Tem espaço para reduzir essa taxa e queremos fazer isso em conjunto com a Febraban. Tem que ser um projeto de lei. Tem que ser aprovado pelo Congresso Nacional. Precisa de um debate técnico cuidadoso”, defendeu Mercadante, que tem sua posse oficial na presidência do banco estatal agendada para esta segunda-feira (6).
Mudança nos juros
A TLP – Taxa de Longo Prazo – foi a nova taxa de juros criada para o BNDES em 2018, em substituição a sua antecessora TJLP, que trazia consigo o histórico de empréstimos feitos a juros menores do que a Selic, a taxa básica de juros da economia e também o custo básico de captação de recursos do Tesouro Nacional e do próprio BNDES para bancar suas operações de crédito.
Ou seja, o banco concedia crédito para as empresas grandes e pequenas de sua clientela com juros mais baixos do que o que pagava para levantar seus recursos. Foi esse o principal mecanismo do programa criado na crise financeira de 2008 e batizado de PSI – Programa de Sustentação do Investimento.
O resultado foi uma dívida da ordem de R$ 400 bilhões com o Tesouro Nacional acumulada entre 2008 e 2014, período em que o programa de subsídios perdurou.
A ideia da nova TLP foi adotar uma lógica mais próxima do mercado aos juros adotados pelo banco público de fomento. Ela é composta pela variação da inflação, medida pelo IPCA, adicionada de uma taxa fixa que acompanha a mesma praticada pelos títulos públicos nas Notas do Tesouro Nacional (NTN-B).
Atualmente, a TLP está em IPCA + 6,08% ao ano. Nos 12 meses até dezembro, o IPCA acumulou 5,8%.
A pressão sobre a taxa causada pelos recentes picos de inflação, que passou dos 10% nos piores momentos, chegou a causar um desconforto nas empresas tomadoras desses créditos e suscitou debates sobre a adequação da TLP.
Ainda assim, o retorno da TJLP e dos subsídios que vinham com ela segue nos piores pesadelos de uma ala grande dos economistas.
“A TLP foi um ganho enorme para o país”, diz o economista Claudio Frischtak, sócio da consultoria de negócios Inter.B e consultor do Banco Mundial em negócios e políticas públicas.
Ele foi um dos autores de um estudo feito para o Banco Mundial ainda em 2017 avaliando os benefícios de o BNDES abandonar a TJLP pela nova taxa de juros sem subsídios.
O desestímulo à entrada de outros bancos e concorrentes no mercado de crédito para empresas foi um dos efeitos detectados pelos pesquisadores nos anos de BNDES subsidiado.
O fortalecimento do mercado de capitais como alternativa de financiamento para as empresas, por meio, por exemplo, de debêntures ou emissão de ações, é, por outro lado, um efeito positivo que destacam do fim dos subsídios.
“A TJLP era mais barata? Claro, todo o mundo quer crédito subsidiado. O problema é o custo disso para o país. São recursos do Tesouro que poderiam estar indo para outras coisas. E não é só uma questão fiscal. É necessário saber qual é taxa social de retorno disso e os alvos, ou seja, o que as empresas vão fazer com esse crédito.”
Benefícios contestados
Entre as pesquisas que tentaram rastrear os retornos obtidos para a economia com a conta bilionária de subsídios do BNDES, estão um estudo feito pela consultoria BRCG e que serviu de base para um relatório divulgado no fim do ano passado pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) do Ministério da Economia.
Os cálculos mostraram que o retorno existe, mas é pequeno: cada R$ 1 emprestado pelo BNDES, entre 2008 e 2020, deu origem a um valor de R$ 0,15 a R$ 0,25 em investimento feito pelas empresas que receberam os créditos.
“O retorno existe e é positivo; não é zero, não é negativo”, diz o sócio da BRCG Livio Ribeiro, um dos responsáveis pelo estudo. “Mas isso é só uma avaliação parcial. É necessário olhar também para fora das firmas verificadas para se ter uma análise ampla do impacto daquela política pública no bem estar.”
Uma segunda etapa da pesquisa, com essa ampliação, está em andamento pelo time – “e os resultados preliminares indicam que os efeitos [dos empréstimos subsidiados] para o bem estar são negativos”, de acordo com Ribeiro. “Socialmente, perdemos dinheiro.”
A ideia, explica ele, é observar o quanto o benefício do crédito mais barato para a empresa que o recebe não gera desequilíbrios em seu entorno e, com isso, acaba piorando, em vez de melhorar, indicadores como desemprego, arrecadação ou o crescimento do PIB em si.
“A empresa de um mesmo setor que não recebeu aquele aporte de capital subsidiado, enquanto outras sim, tem que lidar com uma nova realidade concorrencial”, diz o economista. “Elas podem ter perdido investimentos, empregos, ter criado condições para a sociedade mais negativas do que os ganhos observados pelas empresas que receberam.”
Um outro estudo de 2019 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que os empréstimos do BNDES tiveram papel importante em reduzir a mortalidade das empresas: a taxa de sobrevivência entre as que receberam crédito do banco foi maior do que das demais.
A comparação, porém, mudou pouco quando foram avaliados outros fatores como o tamanho dos juros, do prazo ou dos valores emprestados.
“Para a empresa talvez não faça tanta diferença ter uma taxa de juros menor, quer dizer, não precisa necessariamente de subsídio”, disse um dos autores da pesquisa, o economista e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Philipp Ehrl.
“Para ela, o mais importante é conseguir alguma coisa para sobreviver e ter acesso àquele dinheiro na mão, em especial para as empresas pequenas, que têm maiores dificuldades de conseguir financiamentos.”
BNDES: “TLP mais estável”
Em resposta à CNN, além de ter afirmado que tanto os subsídios quanto a volta da TJLP estão descartados, o BNDES também explicou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o que está em discussão com a mudança de direção são “mecanismos para tornar a TLP do BNDES mais estável e mais próxima da Selic”.
“Não se trata do retorno ao padrão de subsídio do passado”, disse o banco, em nota, “mas de uma taxa de juros mais competitiva, para micro, pequenas e médias empresas”. A ideia, afirmaram, é abrir um debate a respeito envolvendo “Ministério da Fazenda, o Congresso Nacional e também o sistema financeiro”.
“Atualmente, essa taxa [a TLP] apresenta enorme volatilidade e representa um custo financeiro acima do custo da dívida pública federal, o que penaliza de forma desnecessária essas empresas, que têm um grande impacto na geração de emprego e renda para o povo brasileiro”, completa a nota.
Fonte: CNN Brasil
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