Pouco antes da subida ao gramado do Maracanã, os jogadores da seleção argentina se reuniram em círculo, e Lionel Messi discursou.
"O caminho é mais importante do que o resultado", falou, para motivar o elenco.
Noventa minutos depois, ao contrário do que ele disse, o resultado seria o mais importante. A Argentina derrotou o Brasil por 1 a 0 e conquistou a Copa América de 2021. Foi o primeiro título relevante de Messi pela equipe nacional. A percepção da importância daquilo para o camisa 10 foi imediata pelos demais jogadores. Todos correram para abraçá-lo. Atiraram-no o alto.
"Quando Messi fala, todos se calam. É como se estivesse falando o presidente da Argentina", comparou o goleiro Emiliano Martínez.
Messi é seguido por companheiros no último treino preparatório para a partida contra o México; em caso de derrota, a Argentina será eliminada - Issei Kato/Reuters
A liderança de Messi hoje é inquestionável. Às vezes, torna-se devoção. Lisandro Martínez confessou ter ficado paralisado, em sua primeira convocação, quando o atacante foi cumprimentá-lo.
"Nós precisamos dar uma Copa [do Mundo] a Leo", disse o zagueiro.
Para isso, a Argentina não pode perder neste sábado (26). E, para não passar sufoco na terceira rodada, tem de vencer na segunda. O rival será o México, às 16h (de Brasília), no estádio Lusail. O mesmo que viu a maior zebra da Copa do Mundo do Qatar até agora: a vitória da Arábia Saudita sobre a alviceleste por 2 a 1.
Messi precisa ser o líder que não foi no passado. Pelo contrário, durante muito tempo, recebeu críticas justamente pela falta de liderança. Calado, às vezes acanhado, fechava-se em si mesmo. O lateral Pablo Zabaleta, um dos seus primeiros amigos na seleção, confessou ter demorado para saber como era a sua voz.
E, quando Lionel dizia algo, era dentro da definição do jornalista e escritor argentino Leonardo Faccio. Ao entrevistar o já melhor jogador do mundo, concluiu que Messi era alguém que mordia as palavras para evitar que elas saíssem de sua boca.
Em 2010, no Mundial da África do Sul, o craque tropeçou no discurso antes da partida contra a Grécia. O então técnico Diego Maradona decidiu que ele seria capitão naquela partida porque precisava aprender a ser líder. Na roda de jogadores no túnel, todos esperavam a palavra de quem usava a braçadeira.
"Na verdade, não sei o que dizer", envergonhou-se.
"Na noite anterior à partida, Leo estava preocupado. Queria saber o que poderia falar. Aconselhei apenas que dissesse o que estava em seu coração", contou à Folha, em 2017, Juan Sebastián Verón, companheiro de quarto de Messi em 2010. Uma escolha de Maradona para que o então atleta de 23 anos aprendesse a comandar com o veterano de 35.
Maradona já deveria ter suspeitado que seria difícil. Se ele mal conseguia conversar com Messi por telefone, como esperar que discursasse diante de dezenas de outras pessoas? Foi Diego quem observou que era mais fácil marcar uma audiência com Deus do que fazer Lionel atender o celular.
Poderia ser uma imagem injusta. Se Messi não liderava com as palavras, fazia-o pelo exemplo. Era quem mais treinava. Queria a bola em todas as situações. Quanto mais difícil, mais ele a pedia.
No livro "Messi, o Gênio Completo", o jornalista argentino Ariel Senosiain colheu depoimentos que lembraram a criação futebolística do argentino no Barcelona, onde ninguém é acostumado a gritar, apelar ao emocional. Na escola da equipe, especialmente sob o comando de Pep Guardiola, as lideranças apareciam com a bola no pé.
Isso nem sempre funcionou bem no passional ambiente da seleção argentina. Ele chegou a ser cobrado em público pelo zagueiro Nicolás Burdisso em jogo diante da Colômbia, na Copa América de 2011. A frase "pendejo, la última pelota se corre", a exigir mais empenho na marcação, entrou para o folclore do atacante.
"Pendejo", palavra para designar "estúpido", pode ter tom de brincadeira. Mas pode não ter. Para quem viu a cena, não pareceu algo inofensivo. Burdisso jura ter sido.
Assumir de verdade a liderança da seleção argentina, para Lionel Messi, foi um processo. Lento, algumas vezes. Começou com Alejandro Sabella pedindo, em 2011, para o capitão Mascherano passar a braçadeira de forma definitiva ao camisa 10. Era a repetição do que Carlos Bilardo havia feito ao assumir a seleção, em 1983. Tirou a função de Daniel Passarella, o homem que havia levantado o troféu em 1978, e a passou a Maradona.
Passarella ficou furioso. Mascherano aceitou com naturalidade.
No caminho entre o discurso atrapalhado de 2010 e as palavras de 2021, Messi chorou as derrotas nas finais da Copa do Mundo de 2014 e das Copas Américas de 2015 e 2016. Anunciou que não jogaria mais na seleção, antes de recuar. Viu o nascimento de Thiago, seu primeiro filho, em 2012, evento que afirma ter mudado sua percepção das coisas. Passou pela desolação da campanha do Mundial de 2018.
Enfim, chegou ao título continental do ano passado e à condição de ídolo incontestável de seus companheiros com a camisa alviceleste.
"Todos sabemos o que faz em campo, mas fico com a pessoa que é. Já ganhou tudo e se senta para tomar um mate com você mesmo que não o conheça. No dia em que me aposentar, vou poder dizer que joguei com o melhor da história. Sua maneira de ser o torna o maior de todos", elogiou o zagueiro Cuti Romero.
Romero é um dos que podem sair do time para a partida deste sábado. Teve atuação ruim na derrota para a Arábia Saudita e vem de contusão. Seu substituto seria Lisandro Martínez. Outras alterações estudadas são as entradas de Gonzalo Montiel na lateral direita, Marcos Acuña na esquerda e Enzo Fernández no meio-campo. Nahuel Molina, Nicolás Tagliafico e Papú Gómez (ou Leandro Paredes) iriam para o banco.
Fonte: Folha de São Paulo
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